Feliz Ano Novo

Rubem Fonseca

Editora Nova Fronteira

Contos - Literatura Brasileira - 165 páginas

Resumo:

A escrita de Rubem Fonseca é marcada pela rudeza como aborda a dicotomia da sociedade e a violência que permeia as relações: a opulência e o descaso dos ricos versus a miséria e a invisibilidade dos pobres. Os seus personagens são realistas sem serem caricatos e a maioria dos cenários são os centros urbanos, principalmente alguns bairros da cidade do Rio de Janeiro – Centro, Santa Teresa, Copacabana, Leblon e Barra da Tijuca – descritos com minúcia de detalhes. “Feliz ano novo” (1975), um livro que reúne 15 contos, é considerado o livro mais polêmico de Rubem Fonseca não só pela dureza com que constrói as tramas e pela exposição nua e crua da desigualdade social, mas também por ter desafiado a censura do regime da época e, consequentemente ter sido censurado um ano depois da publicação.

A escrita de Rubem Fonseca é marcada pela rudeza como aborda a dicotomia da sociedade e a violência que permeia as relações: a opulência e o descaso dos ricos versus a miséria e a invisibilidade dos pobres. Os seus personagens são realistas sem serem caricatos e a maioria dos cenários são os centros urbanos, principalmente alguns bairros da cidade do Rio de Janeiro – Centro, Santa Teresa, Copacabana, Leblon e Barra da Tijuca – descritos com minúcia de detalhes. “Feliz ano novo” (1975), um livro que reúne 15 contos, é considerado o livro mais polêmico de Rubem Fonseca não só pela dureza com a qual construiu as tramas e pela exposição nua e crua da desigualdade social, mas também por ter desafiado a censura do regime da época e consequentemente ter sido censurado um ano depois da publicação.
“Feliz ano novo” é um dos 15 contos da coletânea que recebeu o mesmo nome. Nas poucas páginas deste conto Rubem Fonseca põe à mostra, sem qualquer pudor, a ferida fétida, resistente a tratamentos paliativos, que se mantem aberta há séculos: a distância abissal entre os favorecidos e os desvalidos.
Em 1950 Tancredo da Silva Pinto, Tata Tancredo, umbandista e personalidade importante do mundo do samba foi o responsável pela fundação da Federação Umbandista de Cultos Afro-Brasileiros de forma a tentar dar visibilidade às religiões afro-brasileiras – no Rio de Janeiro a umbanda e o candomblé – que vinham sendo reprimidas pela polícia com muito mais afinco do que antes da promulgação do Decreto-Lei nº 3.688 de 03 de outubro de 1941, Lei das contravenções penais, pelo então Presidente da República Getúlio Vargas. Tata começou a encorajar os cultos à Iemanjá na orla do Rio entre o centro e Copacabana (Enseada da Glória, Praia do Flamengo, Enseada de Botafogo e Praia de Copacabana). Ah! Vale salientar que o Aterro do Flamengo (Parque Brigadeiro Eduardo Gomes) inaugurado em 1965 alterou o desenho da orla original do Centro à Enseada de Botafogo. À época no dia 31/12 eram montados vários terreiros de macumba nas areias das praias exatamente como estavam montados nos locais originais: roupa branca, atabaques, charutos, pontos de macumba, marafo, alguidares com farofa, galinhas mortas, garrafas de champanhe, espelhos, pentes, joias etc. No dia seguinte, como num passe de mágica, os terreiros desapareciam e só ficavam na areia os alguidares com farofa, as galinhas mortas, as garrafas de champanhe e as velas. Os barquinhos de oferenda, os espelhos, os pentes e as joias que não eram aceitos por Iemanjá ficavam encalhados na beirinha do mar. Não é difícil imaginar que os moradores da zona sul não gostavam muito da ideia, mas é na década de 1970 que os cultos à Iemanjá, as roupas e as flores brancas passam a ser um atrativo para o réveillon nas areias das praias. E, somente por curiosidade, é em 1978 que acontece a primeira cascata de fogos no Hotel Meridien em Copacabana. A cada ano eram queimados mais fogos, por mais tempo e com maior público. E, para atrair cada vez mais público começaram a ser organizados shows em vários pontos das areias da praia de Copacabana. Em 2000, por motivos de segurança, ao invés da tradicional cascata, os fogos passam a ser queimados em balsas distantes da areia. Passados mais de 40 anos da primeira cascata de fogos em Copacabana a maior festa de réveillon do Brasil e do mundo reúne mais de dois milhões de pessoas vindas dos mais diferentes lugares do planeta Terra.
Agora vamos ao conto? Num réveillon do início da década de 1970 enquanto muitos se preparavam para adentrar o novo ano em caras roupas brancas novas e mesas cuidadosamente preparadas com tudo de bom e do melhor, outros tentavam apaziguar a fome até o dia raiar para apanhar a cachaça, a galinha e a farofa entregues às entidades pelos macumbeiros na noite anterior. Dois homens do grupo dos desprezados, o narrador personagem e seu amigo Pereba, estão no apartamento que embora esteja sem água e seja num edifício em péssimas condições de habitabilidade dá ao narrador o grande privilégio de morar na zona sul do Rio de Janeiro. Literalmente enquanto de um lado o narrador fantasiava a vontade de ser rico, afinal tinha tanta gente rica por aí e ele tão ferrado, do outro lado estava Pereba fantasiando um momento íntimo com uma loura bacana quando Zequinha, um comparsa do narrador num assalto a um supermercado do Leblon que não tinha rendido muito dinheiro, mas tinha aproximado os companheiros enquanto os dois gastavam o produto do crime escondidos na boca do lixo em São Paulo, adentra o apartamento e fica incomodado com a cena deprimente. Porém Zequinha também não estava muito animado, afinal vários de seus camaradas – Bom Crioulo, Vevé, Minhoca e o Tripé tinham sido barbaramente dizimados. A maré não estava boa para ninguém! Para animar o grupo o narrador deixa escapar que só está esperando o Lambreta chegar de São Paulo para pegar as ferramentas e assaltarem juntos um banco na Penha logo no dia 2. Zequinha fica curioso para ver o que o Lambreta deixou e fica surpreso com a qualidade das ferramentas. Daí surge a ideia de usarem o material enquanto o Lambreta não chega. Então roubam um carro, invadem uma festa aleatória de gente e rica e comemoraram o réveillon realizando em grande estilo muitas das fantasias do trio. Na volta da festa, voltando ao apartamento Zequinha faz um comentário:
– Esse edifício está mesmo f…, disse Zequinha, enquanto subíamos, com o material, pelas escadas imundas e arrebentadas.
– F…, mas é zona sul, perto da praia. Tás querendo que eu vá morar em Nilópolis?
Ao lermos o conto “Feliz ano novo”, em dado momento, ficamos em dúvida se é mesmo um conto ou se é uma notícia policial de um jornal qualquer. Esse é o efeito Rubem Fonseca!

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