O Caso Morel

Rubem Fonseca

Editora Globo

Romance policial; Literatura brasileira - 189 páginas

Resumo:

O caso Morel (1973) é o primeiro romance do premiado escritor brasileiro Rubem Fonseca que à época já havia escrito e publicado alguns contos: Os prisioneiros (1963), A coleira do cão (1965), Lúcia McCarteney (1969) e O homem de fevereiro ou março (1973).

O caso Morel (1973) é o primeiro romance do premiado escritor brasileiro Rubem Fonseca que à época já havia escrito e publicado alguns contos: Os prisioneiros (1963), A coleira do cão (1965), Lúcia McCarteney (1969) e O homem de fevereiro ou março (1973).

Então, para o deleite dos apreciadores de romances policiais, há quase 60 anos (1973) Rubem Fonseca envereda pela temática policial com tamanha maestria que leva o leitor a acompanhar os personagens à busca de suspeitos, a roer as unhas de aflição e a deliciar-se com o humor e a ironia na conta certa. Todos os personagens são realistas sem serem caricatos e a maioria dos cenários são os centros urbanos, principalmente alguns bairros da cidade do Rio de Janeiro, Centro, Santa Teresa, Copacabana e Barra da Tijuca, descritos com minúcia de detalhes. Quanta nostalgia!!!

Bem, isto posto, vamos falar do livro? O Caso Morel é um livro instigante, ambientado na cidade do Rio de Janeiro da década de 1970 (publicado em 1973) durante os Governos Militares (1964-1985). O texto começa com o encontro de dois amigos da época da faculdade, o delegado Matos e o ex-policial e escritor Fernando Vilela, na porta da penitenciária para irem até a cela de um preso que tem um percurso, no mínimo, surpreendente.

Paul Morel, artista plástico e fotógrafo premiado está preso. Ele quer falar com um escritor e pede ajuda ao delegado Matos que está à frente da investigação do crime que Morel supostamente cometeu. O delegado facilita a entrada de Vilela na penitenciária e a partir daí Matos promove vários outros encontros entre Morel e Vilela. Veremos com o desenvolvimento da narrativa que Matos tem um interesse velado nos “papéis” que Morel irá confiar ao crivo de Vilela.

Observação do editor, a narrativa de Paul Morel é frequentemente interrompida por citações. Algumas são do próprio personagem, outras de autores provavelmente lidos pelo personagem na prisão.

“As pessoas que nada tem a dizer são muito cuidadosas na maneira de dizê-lo.” (página 38)

A partir deste primeiro encontro com o ex-policial e escritor Fernando Vilela, Paul Morel começa a rascunhar um livro, uma autobiografia para relembrar sua vida, principalmente as mulheres com as quais se relacionou e principalmente com as quais viveu. Desde a relação conturbada com a ex-mulher, aos encontros fugazes com prostitutas de cabaré. Desde o envolvimento com mulheres ricas e elegantes aos relacionamentos com mulheres de vidas comuns, com problemas comuns. Morel passa a contar com a consultoria de Vilela nos encontros sempre às quintas-feiras na cela da penitenciária. A cada visita Vilela recolhe os manuscritos para que sua secretária Hilda os organize e datilografe e depois ele os devolve à Morel. Ao devolvê-los sempre tece alguns comentários.

Paul Morel é um homem promíscuo e de espírito livre e no texto que começa a escrever descreve as mulheres e os respectivos relacionamentos, quer sejam sentimentais ou sexuais, quer sejam profundos ou superficiais, de forma detalhada e explícita.

Entre as muitas mulheres com as quais se relaciona Morel destaca algumas em especial: Cristina, a ex-mulher é uma neurótica compulsiva; Elisa Gonçalves, uma mulher rica e elegante de quase 40 anos o instiga a imaginar atos lascivos com ela; Joana ainda uma menina de 20 anos, filha do embaixador e da embaixatriz Monteiro Viana, exige dele um relacionamento violento e brutal; Carmem a “modelo” que tem um filho fruto de um relacionamento abusivo com o cunhado, marido da irmã; Ismênia a pintora naïve que no passado teve um breve relacionamento lésbico com uma declamadora.

Morel deixa-se levar pela vida e pelos desejos, mas de repente, a partir de uma sugestão capciosa de Joana começa a imaginar-se vivendo na mesma casa com várias mulheres, como se fossem uma família, não um hárem como insiste em afirmar. Embora até aí os relacionamentos com as mulheres tenham sido fugazes ou intermitentes, a partir daí Morel não consegue mais parar de pensar na ideia e começa a sondar as eleitas com quem pretende morar na Rua Almirante Alexandrino, 6.088, no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro. Por mais espantoso que posso parecer, em pouco tempo a família está formada: Joana; Carmem e o filho Marcelo; Ismênia. Elisa Gonçalves, a “grã-fina”, como era de se esperar não aceita morar com eles, mas faz visitas à casa de vez em quando. Apenas uma delas recebe uma aliança com uma pequena declaração de amor gravada em seu interior.

A dinâmica é funcional: Ismênia atarefada com os preparativos de sua exposição que será em Buenos Aires; Carmem ocupada com o inglês, a taquigrafia e o trabalho de modelo numa fábrica de tecidos e malhas; Marcelo, filho de Carmem, embora estúpido e chato consegue conquistar toda a família; Morel vende a bom preço os trabalhos feitos antes de ganhar o prêmio. Todos, exceto Joana, parecem conseguir levar uma vida normal. De todas ela é quem mais exige a atenção de Morel. Ela sente falta da brutalidade física e da degradação que ao se viver em comunidade não é possível.

Inicialmente Morel escreve com fluidez, porém com o passar do tempo começa a escrever menos e de forma confusa e desconexa. Ora descreve cenas de sexo explícito e logo em seguida fala do pai moribundo num leito de hospital. Ora descreve uma infância cheia de privilégios e pouco depois fala da infância num lar decadente, beirando a miséria. Acontecimentos anteriores à formação da “família”. Vilela alerta Morel para as incoerências e para a queda da produção “literária” e Morel confessa que quanto mais perto do pesadelo, mais tem dificuldade em escrever sobre o que aconteceu.

Apesar da aparente calmaria alguns dias se passam sem que uma das mulheres esteja em casa. De repente a histeria. Uma terrível notícia aparece estampada no jornal: uma de suas mulheres aparece morta numa praia da Barra da Tijuca. Morel se sente confuso com a notícia, chega a ir à Delegacia de Homicídios, mas não é atendido e volta para casa. Dias depois dois policiais batem à porta da casa da família e levam Paul para a delegacia que pouco depois tem o seu primeiro contato com o delegado Matos que passa a tratá-lo por seu nome verdadeiro, Paulo Morais e que tem em mãos um caderno de capa verde, nada mais nada menos do que o diário da mulher que está morta. Quem terá entregado o diário à polícia? Por que?

“Um homem tinha medo de encontrar um assassino. Outro tinha medo de encontrar uma vítima. Um era mais sábio do que o outro.” (página 102)

A partir deste momento os textos de ficção de Paulo Morel e a história verdadeira de Paulo Morais se fundem e atiçam os extintos policias de Fernando Vilela que começa a investigar o que realmente aconteceu. Aliás, da mesma forma que Paulo Morais deu um nome falso ao seu próprio personagem, Joana Monteiro de Viana é Heloísa Wiedecker; Carmem é Lilian Marques; Ismênia é Aracy Batista; Elisa Gonçalves é Marta Cunha.

Para ter acesso ao inquérito policial Vilela “passa por cima” de seus princípios éticos e decide barganhar com Matos: em troca dos “papéis” de Morel ainda inacabados e sem qualquer indício de admissão de culpa neles, Vilela pede acesso ao auto de Exame Cadavérico, ao Exame Pericial e ao diário embora a prisão preventiva de Paulo Morais já tivesse sido decretada.

“É evidente que o juiz tinha que decretar”, diz Vilela.

“Morel é artista e assim, por definição, suspeito; além do mais, promíscuo sexualmente, o que faz dele, no mínimo, uma ameaça. Aposto que a fiança dele foi negada com base no parágrafo quarto do artigo trezentos e vinte e três – a incaucionabilidade dos vagabundos.” (páginas 123 e 124)

Fernando Vilela começa a ser atormentado pelas dúvidas e incoerências do processo que incriminam Paulo Morais. Por que a polícia não aprofundou a investigação de Francisco, um homem obcecado pela mulher que apareceu morta? Por que a polícia não “leu” o diário? O que Creuza, moradora de um barraco próximo ao local do crime terá realmente visto? Por que o “afogamento” conveniente de seu marido Félix Assunção Silva, um ladrão, não suscitou curiosidade e não foi devidamente averiguado? Por que o aparecimento súbito de seu primo José da Silva não incitou curiosidade? E novamente, quem terá entregado o diário à polícia? Por que? Onde está a aliança que Paul Morel entregou a somente uma de suas mulheres?

O caso Morel (1973) é o primeiro dos muitos maravilhosos romances de Rubem Fonseca. É um livro que trata da complexidade do pensamento e comportamento humanos e é a porta de entrada de um mundo de personagens e cenários que identificamos nas páginas de jornal, nas notícias da internet, nas coberturas televisivas. Simplesmente imperdível!

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